24/10/2014

CAPITALISMO ASSISTENCIALISTA É O PASSADO; SOCIALISMO, O FUTURO


Até hoje, verdadeiramente, não se poderá dizer que houve socialismo - mesmo com a nuance marxista do "socialismo como transição para o comunismo".

Houve tentativas de construção.

Que enfrentaram condições extremamente desfavoráveis - guerras, boicotes maciços, concorrência desleal do sistema capitalista que se autofinanciava de graça pelo mecanismo do dólar não controlado internacionalmente (os EUA passaram a desrespeitar os acordos Bretton Woods nos anos 60, culminando na sua anulação formal por Nixon em 1971).

Aliás, se podemos considerar as experiências soviética, chinesa ou cubana como socializantes, não vejo porque não considerar também as experiências social-democratas escandinavas, por exemplo.

Social-democracia e  socialismo são sinónimos. Os partidos comunistas do tempo de Marx e de Lenine chamavam-se social-democratas, só  posteriormente, sobretudo os marxistas do norte europeu, optaram por uma via não-revolucionária e mantiveram a designação «social-democrata», enquanto a linha dominante russa passou a designar-se por «comunista».

Tirando a questão da designação, todas elas são experiências feitas em nome de ideais  humanistas e igualitários e de ambas podem tirar-se ensinamentos, assim como devem excluir-se os aspectos negativos.


QUE LIÇÕES TIRAR DA HISTÓRIA

Para resumir, uma delas é que são de excluir as tentativas do Estado controlar toda a Economia, planificar tudo como se fez na Rússia, em Cuba ou na China em certa fase.

Ficou demonstrado nessas experiências "socialistas" que o Estado não consegue programar superiormente todas as necessidades sociais e individuais, e que é preferível deixar algumas delas à «iniciativa privada».

Mas também ficou demonstrado, por outro lado, que o capitalismo deixado à solta e sem controle, tende a formar grupos que vampirizam setores e mesmo países inteiros.

Muitos dos grandes grupos capitalistas de hoje têm mais vendas anuais que o PIB de países de dimensão média, e formam lóbis que manipulam as leis, como ocorre nos EUA e na UE, orientando a economia exclusivamente para os seus interesses com gravissimos prejuízos ambientais, climatéricos e humanos, nomeadamente na saúde e no equilíbrio individual, familiar e social.

Assim, a única solução que respeita os superiores interesses sociais é um Estado forte que mantenha nas mãos  as alavancas da Economia e possa a todo o momento barrar os abusos dos grandes grupos.

Para isso, o Estado tem que reservar para si uma quota significativa da Economia.

Como? Essa é uma importante discussão, que deixarei para outro artigo.


A EXPERIÊNCIA CHINESA DE "UM PAÍS, DOIS SISTEMAS"

Os defensores do capitalismo pretendem que, se a China tem obtido um crescimento significativo, isso se deve apenas às zonas económicas capitalistas dentro da própria China.

Não é de todo verdade.

O que se passou na China, como antes na URSS, é que foi criada uma base produtiva através da planificação forçada, feita por um partido único que tomou o poder após uma guerra civil.

É a essa base que Marx chama de acumulação primitiva de capital, que existe em todas os sistemas - no caso do império inglês, por exemplo, foi através da pirataria e do colonialismo.

Sem essa base inicial, produtiva, educacional e organizacional, não seria possível o atual desenvolvimento chinês (através de ZEEs, mas também da reserva de mão-de-obra barata), que fornece a baixos custos ao setor capitalista alimentos, energia, água e demais matérias primas.

O que só é possível justamente através do subsistema estatal.

A diferença no caso da URSS é que (exceto na experiência passageira da NEP em 1921 -  após a guerra civil) não foram abertas «válvulas de escape» capitalistas como na China - esse facto,  a par da concorrência desleal capitalista, está na base do esgotamento do sistema soviético.
 
CAPITALISMOS DE ESTADO


Na verdade, o que resultou destas experiências sociais, segundo muitos autores, foram «capitalismos de Estado», ou seja, o patrão passou a ser o Estado, dirigido por um partido que se proclama comunista.

Um capitalismo de Estado assistencialista, ao qual se podem assacar  avanços na educação, na saúde e nas ciências, mas fracassos no plano económico, com estagnação a partir de certa altura.

É verdade que essa estagnação é em parte explicável pelos boicotes externos.

Sobretudo em casos como Cuba, simplesmente impedida pelos EUA de ter relações com o mundo e nomeadamente com a sua própria região.

Assim como no caso soviético, sofrendo uma competição desleal por parte do ocidente, sobretudo dos EUA, que emitiram dólares sem controle para financiar de graça a sua máquina militar. tecnológica e de espionagem, assim como para financiar o esbanjador sistema de vida norte-americano. 

Que é que os cubanos ou russos podiam fazer contra isso? Pouco - no caso russo, acabaram por se vergar à lógica capitalista, com Gorbachov.

Mas é muito revelador sobre o modelo e a natureza da sociedade que se construiu em todo o período anterior a Gorbachov, o modo como os cidadãos aceitaram tão facilmente e quase do dia para a noite, o derrube do suposto socialismo, e a evolução radical para um capitalismo agressivo, com injustiças e desigualdades gritantes, e dominado por novas oligarquias com contornos mafiosos.

Alguém acredita que pessoas conscientes e bem preparadas para a cidadania não teriam oferecido feroz resistência a uma evolução  deste género?

Só quem seja desprovida de senso crítico não percebe que a queda do sistema "soviético" reside na fragilidade das relações sociais que ele mesmo construiu após a Revolução de Outubro 1917, principalmente sob a direção de Estaline e seus sucessores.


CAUSAS PARA OS DESVIOS

Portanto, só em parte os  boicotes são a explicação para a fragilização deste sistema. Há também erros concepcionais  e desvios graves na política económica e social, apenas em parte justificáveis pela inexperiência e pelos problemas vividos na altura.

Outra parte tem a ver com concepções teóricas erradas sobre a natureza da sociedade, das classes sociais e do funcionamento do sistema económico e político. Temas que analisarei posteriormente.

Já o sistema chinês conseguiu manter-se, e isso é explicável em 1º lugar pela dimensão da China (que sózinha era já um sexto da humanidade há duas décadas atrás), em segundo lugar pela sua tradição milenar de disciplina e trabalho sacrificado, e em terceiro pelas válvulas de escape que foram Hong Kong, Macau e as ZEE (zonas económicas especiais), acabando os capitalistas ditos patrióticos, assim como as empresas estrangeiras instaladas, por funcionar como, mais que meras válvulas, um sistema capitalista sobreposto ao sistema estatal, de que na verdade este último é subsidiário, não a inversa.

Portanto nem russos, nem chineses ou cubanos têm ou tiveram um socialismo, muito menos um comunismo. Tiveram experiências estatizantes que merecem um estudo atento, não mais que isso.

Porque em todas elas faltou a educação e participação consciente do povo que caracteriza o verdadeiro socialismo, acabando ele por ser um mero figurante em vez do protagonista que deveria ser. Esse é o elemento determinante, a reter.

OUTRAS EXPERIÊNCIAS SOCIALIZANTES

Idêntica noção para os escandinavos, que construiram sociedades mais justas que as do capitalismo selvagem, sociedades onde o Estado não abdica dum papel dominante na educação, na saúde, na previdência social, na investigação ou na cultura.

Que acabam por ser experiências interessantes, mas muito limitadas do ponto de vista socialista, já que a fronteira entre os interesses do grande capital  e o superior  interesse social está (deliberadamente) mal definida, acabando o Estado por cumprir essa função assistencialista que atenua os conflitos, mas que é de todo o interesse para os grupos capitalistas.

Ou seja, aceitaram-se algumas reivindicações sociais democráticas, porém de modo a não pôr em causa a lógica final capitalista. Tal como nos regimes de partido comunista tendencialmente único, também nas social-democracias escandinavas os cidadãos passaram a ter um papel subalterno face ao aparelho de Estado, aos sindicatos e partidos e às grandes empresas.

É uma análise  que poderia ser tornada extensiva - ressalvados o grau de  desenvolvimento, o peso das oligarquias e o factor indigenista - aos populismos dos vários países latino-americanos.

E o que se passa na China será assim tão distinto?

Não, com a diferença que as reinvidicações sociais foram assumidas numa fase inicial pelo partido comunista, embora depois abandonadas a pretexto das "superiores" exigências de desenvolvimento.

Mas, tirando a cambiante da falta das liberdades, o Estado chinês está a cumprir exatamente a mesma função subsidiária perante os grandes grupos capitalistas, rotulados de «patriotas» pelo PCC no poder.

Sob este ponto de vista, descubra as diferenças entre a China e os capitalismos assistenciais escandinavos e latino-americanos...


PARA QUANDO AS DESEJADAS IGUALDADE E CIDADANIA INTEIRAS?


Não podemos confundir a fase de transição do sistema capitalista para o socialista com o verdadeiro socialismo como faz uma certa direita anti-socialista ou alguma esquerda dogmática.

Mas qualquer sistema, mesmo na fase de transição, já tem as marcas da sociedade a que vai dar lugar no futuro.

"A cada um segundo as suas necessidades, de cada um segundo as suas capacidades" - enunciavam Marx e Engels como objectivo social.

Poderíamos atualizar dizendo: «igualdade nas oportunidades, discriminação positiva dos mais vulneráveis, tendo em vista uma sociedade justa e igualitária».

Ora um sistema destes não se inventa. A base para ele ser construído são as experiências que vivemos no passado e as que realizamos no presente.

Certamente que cidadãos bem preparados cultural e civicamente, que façam  valer os seus direitos e tenham a noção dos seus deveres, que não se demitam da participação cívica e aceitem correr riscos em vez de agirem de forma acomodada e individualista, serão a base para esse sistema no futuro.


CONDIÇÕES PARA UMA CIDADANIA AUTÊNTICA: ESTADO FORTE E MUITO FISCALIZADO PELOS CIDADÃOS

Valores que não se constroem, de certeza, em sociedades dominadas pela ganância e com  pessoas educadas apenas para consumir e produzir em vez de participar. Pessoas que deveriam, sim, tomar as decisões que interessem ao bem-estar individual e coletivo.

Nem numa sociedade onde  a competição feroz pelo lucro seja o motor e as decisões caibam a dissimulados agentes dos grupos económicos poderosos.

Uma tal sociedade torna as pessoas passivas, ignorantes, social e politicamente incompetentes, e desse modo vítimas fáceis de todo o tipo de manipulação.

Portanto, democracia e educação cívica pela participação directa, facilitada hoje pelas redes informáticas e pelo maior nível de educação, serão fundamentais para a construção duma tal sociedade.

Obviamente que um Estado forte - mas muito fiscalizado pelos cidadãos - capaz de se impor aos grupos privilegiados, sejam eles empresas, cartéis, lóbis ou corporações, é imprescindível para garantir as metas finais.

O sector privado capitalista terá que coexistir com o estatal e o cooperativo, sendo que este último deve ter grande peso - é o que melhor garante a iniciativa coletiva - sempre com o papel regulador central do Estado, que por sua vez tem que prestar contas aos cidadãos, através de mecanismos institucionalizados de democracia representativa combinada com a democracia participativa ou direta.

É isso que garante que as pessoas, em vez de meras máquinas alienadas para  produzir e consumir, sejam cidadãos conscientes que controlam cada vez mais o próprio destino.



Sem comentários:

Enviar um comentário